“[...] a
figura da valquíria: ela é matadora de homens – em sua qualidade de mensageira
de Odin, é bem verdade, e de executante de suas crenças – mas é, ao mesmo
tempo, uma sedutora: não há quem resista a seus encantos propriamente mágicos”
(Régis Boyer, Mulheres viris, 1997b).
No resgate e
na popularização da mitologia nórdica, poucas narrativas fascinam tanto como o
mito das valquírias (valkyrjor, singular – valkyria). Celebradas pela música
wagneriana, pela literatura, pelo cinema e até mesmo pelas histórias em
quadrinhos, as guerreiras de Odin ocupam um lugar especial em nosso
imaginário sobre a cultura dos vikings .
Mas até que ponto essa nossa contemporânea, construída pela arte oitocentista ,
corresponde ao que os escandinavos imaginam originalmente? Qual o papel das
valquírias para a religião e a sociedade nórdica?
Nossa
principal hipótese é a de que o mito das valquírias esteve vinculado a certos
fatores sociais relacionados com a aristocracia e a realeza, com finalidades de
legitimação dos poderes políticos e sociais dessas mesmas classes. A
metodologia adotada são as teorizações do historiador francês Régis Boyer.
Influenciado pelo mitólogo Georges Dumézil, Boyer aplica a teoria da
tripartição social dos povos de origem indo-européia especificamente para os
estudos da religião escandinava. A concepção cósmica de mundo, os rituais e as
divindades seriam concebidos em termos de ordem social. Para Régis Boyer, os
mitos e outros cultos nórdicos foram construídos gradativamente por acréscimos
sucessivos. Essa concepção diacrônica também será adotada, bem como pesquisas
demonstram as influências culturais estrangeiras no processo de formação
religiosa dos vikings (DUBOIS, 1999; DAVIDSON, 1988).
A sociedade
nórdica estava originalmente dividida em duas grandes categorias: a dos homens
livres (karls) e a dos escravos (thrall). A maior parte da população livre era
constituída de fazendeiros (bóndi, - plural- boendr), que também se dedicava ao
comercio, à navegação e à guerra. A aristocracia hereditária (jarl) constituía
o pequeno grupo que mantinha seus privilégios nas comunidades, especialmente
nas assembleias gerais (things) e nos vínculos com a corte real (hird). Toda a
politica e o suporte militar eram definidos pelo chefe local (lendrmadr, membro
da aristocracia), mas a autoridade absoluta era centrada no rei (konungr), que
também exercia o papel de principal sacerdote publico. A maioria da população
livre era adepta dos cultos ao deus rórr e aos vanes (entidades relacionadas à
fertilidade, especialmente Freyr e Freyja).A aristocracia e a realeza
perpetuavam especialmente os rituais ao deus principal do panteão
germano-escandinavo, Odin (“fúria”), ao qual o mito das valquírias estava
intimamente relacionado.
A palavra
original do nórdico antigo, valkyrja, significa “ a que escolhe os mortos”
(BOYER, 1997ª, p.164). Entidades sobrenaturais relacionadas diretamente com
marcialidade, e sua associação com o destino dos guerreiros mortos na batalha
remetem a uma tradição mítica muito anterior aos vikings, vinculada aos antigos
germanos. Na literatura anglo-saxã do século VIII surge o termo warlcyrge (“a
que escolhe os mortos”. Hilda Davidsons e Régis Boyer apontam três e Brian
Branstson quatro fases nas imagens das
valquírias, mas todas possuindo aspectos relacionado à batalhas, ou seja, de
entidades femininas ligadas a conflitos.
Adaptação
do livro: Deuses, Monstros, Heróis (Jhonni Langer)
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