Foi durante a
Era Viking (799-1066 d.C) que o mito das valquírias foi amenizado, transformado
em uma representação mais dignificada, heroica e nobre.
O poeta
islandês Snorri Sturluson resgatou durante o período cristão (Edda em prosa,
também denominada de Edda jovem, 1220 d.C) uma das imagens literária mais
populares dessas criaturas para a mitologia dos tempos vikings: “Há ainda
outras para auxiliar Valhöll, servir a bebida em volta, servir a mesa e os
cornos de cerveja[...] Ódinn as envia para todas as batalhas, onde elas
escolhem quem vai morrer, e as regras sobre a vitória” (STURLUSON, 1995).
Um papel suplo. Ao mesmo tempo em que sçao guerreiras e escolhem o destino das batalhas, transportando os homens tombados nos conflitos para o Valhöll (Valhalla: “salão dos mortos” de Ódinn), neste mesmo local elas atuarão como serventes, semelhantes a taverneiras:
Estes seriam
então espíritos dos mortos, privilegiados em certa medida, que se devem
escolher congêneres. Elas traduziram assim, admiravelmente, as ideias centrais
unidas a Ódinn, deus dos mortos, porque regulavam seu destino, quando bem mesmo
o seu propósito escapava (BOYER, 1981, p.142)
Essa dupla
imagem também aparece em outra importante fonte do período cristão, a Elder
edda (Edda Antiga, também chamada de maior ou poética), uma compilação de
poemas escandinavos escritos no fim do século X ou XIIII ( e reunidos em um
único manuscrito, Codes regius, de 1300).
O mais antigo
desses poemas, Völuspá (“a visão da profetisa”) composto em meados do ano 1000,
possui uma estrutura nitidamente paganista. Nele, essas criaturas sobrenaturais
são apresentadas como guerreiras portando escudos. Seis nomes são mencionados:
gunnr (“batalha”), hildr (“batalha”), göndul (“que maneja a vareta mágica”),
skögul (“batalha”) e geriskögul (“lobo de batalha”). Praticamente todos esses
nomes estão relacionados com a guerra ou com características que relacionam as
valquírias com conflitos armados. A associação entre a metamorfose do mito
valquiriano na Era Viking com mulheres guerreiras reais é muito atraente para
os analistas contemporâneos, apesar de ser uma questão ainda aberta a muitos
debates.
Outro poema
éddico, Grimnismál (“os ditos de Grímnir”) repete e apresenta outros; Hrist (“a
abaladora”), Mist (“a bruma”), Skéggjöld (“desgaste com machado de batalha”),
Prúrd (“força”), Hlökk (“barulho”), Herfjötur (“paralisia”), Göll (“lágrimas de
batalha”), Geirólul Randgrídr (“escudo da paz”), Rádgridr (“paz dos deuses”),
Reginleif (“patrimônio dos deuses”). O interessante é que apesar do sentido
dessas denominações, as valquírias são apresentadas como servidoras do deus
Ódinn e dos einherjar (singular: einheri, “guerreiro que combate sozinho”), os
campeões mortos em batalhas. Esse poema deve ter sido elaborado entre os
séculos X e XI, visto que Snorri Sturluson baseou sua literária no mesmo texto.
Poucas
representações iconográficas sobreviventes da Era Viking apresentam as
valquírias portando armas, capacetes, lanças, espadas, cotas de malha ou
andando a cavalo. Em quase todos os pingentes e esculturas/pinturas em estelas
elas surgem como damas portando longos vestidos, cabelos bem arrumados e, na
maior parte das vezes, transportando um corno com bebidas. Do mesmo modo, as
representações visuais de donzelas-cisne foram omitidas, com exceção de um
objeto em que uma figura feminina lembra um pássaro. Apenas restaram imagens
das valquirias como serventes do Valhöll?
Dentre essas
fontes iconográficas, as mais importantes são as estelas funerárias da ilha de
Gotland (Suécia), Além de possuírem um caráter religioso, eram executadas para
glorificar os feitos do morto e serviam em um primeiro momento como reforço
para os cultos solares, dos mortos dos rituais odinistas. Também funcionaram
como instrumentos pedagógicos visuais, mantendo a legitimação do poder politico
da classe aristocrática e da realeza, as principais estruturadoras do odinismo
da Escandinávia medieval. Com isso, as estelas só representaram uma faceta do
mito. Em uma sociedade dominada por uma visão totalmente masculina, a
representação da jornada de um guerreiro do mundo dos vivos para o mundo dos
mortos não podia ser questionada ou abalada. Caso uma valquíria fosse
representada portando armas e montando cavalos (a exemplo dos guerreiros das
estelas), ela seria um elemento contra a ordem de legitimação dos triunfos da
realeza e dos heróis. Assim, sua imagem como serviçal reforça as representações
de uma grande recompensa para uma vida marcial masculina, além de manter a
ordem odinista.
Adaptação
do livro: Deuses, Monstros, Heróis (Jhonni Langer)
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